- 16 anos no ar?! Oficialmente, o blog Retina Desgastada já tem idade para tirar seu título de eleitor...
- 0 de 4 das metas de "encerramento" foi atingida: não tivemos um novo sorteio, não tivemos um único jogo novo analisado na Lista de Favoritos, não tivemos a finalização da Galeria da Infâmia e não tivemos o lançamento do misterioso "projeto literário". Alguns desses objetivos podem ter avançado (um pouco). Não digo quais.
- 913158 visualizações, 2893 postagens, 9776 comentários. Provavelmente, todos esses números estão errados por um ou outro problema técnico, mas é o que o Blogger tem a nos oferecer.
- 10.200 visualizações é o recorde da publicação mais vista no site: uma lista de códigos para The Walking Zombie 2. É a vida.
- 35 postagens é o recorde mensal, atingido no distante janeiro de 2011. Para fins de comparação, tivemos apenas duas postagens em fevereiro passado...
- 9 é o número de postagens publicadas no blog alternativo. Bizarramente, de vez em quando sonho que tenho outro blog secreto, com conteúdo perdido. Amnésia?
- 526 jogos é o total de análises disponíveis no blog.
- 1435 seguidores na Curadoria do Steam, o maior volume em rede social já atingido pelo blog.
- 698 vídeos publicados no canal do Retina Desgastada no YouTube.
- 435 imagens postadas no Instagram. Todas são telas que eu tirei jogando.
- 6.69 GB é o volume ocupado pela pasta do blog no meu computador. Backups quinzenais são realizados para uma pasta no Amazon S3.
- 18.077 dos arquivos do blog são imagens, sem computar as 30 imagens utilizadas para o topo em rotação.
- 110 imagens de rodapé foram criadas, homenageando jogos que foram analisados ou referenciados no blog.
- 12 anos é a idade do layout atual do blog. Será hora para uma renovação?
- 84 minutos para produzir essa postagem de aniversário, entre interrupções e problemas para encontrar o que escrever.
- 3 é o Half-Life que todos nós esperamos.
28 de março de 2024
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27 de março de 2024
Jogando: Highwater
(publicado originalmente no Gamerview)
A primeira impressão é a que fica? Um mundo pós-apocalíptico inundado pelo aumento dos níveis do oceano não é nenhuma novidade na cultura pop, muito menos nos jogos eletrônicos (a franquia FAR não me deixa mentir). Porém, Highwater consegue entregar uma experiência inusitada, completamente apoiado em seu charme esquisito, em suas situações cômicas e em um combate gostosinho (embora desequilibrado).
O título da Demagog Studio teve lançamento inicial em 2023, para dispositivos móveis (Android e iOS). Sua distribuição foi limitada para assinantes da Netflix, em uma espécie de exclusividade temporária. Um ano depois, jogadores de todas as plataformas ativas na face da Terra podem experimentar também uma aventura despretensiosa e aprender que sobreviver nem sempre é tudo.
Too Much Water
Não foi por falta de aviso, mas a Crise Climática provocou a elevação dos oceanos. O que conhecemos como civilização agora está dezenas de metros embaixo da água em Highwater. Apesar disso, as mazelas sociais não mudaram nem um pouco. Os muito ricos estão seguros e com recursos abundantes em Alphaville, o último bastião de progresso. Rumores indicam que a elite está se preparando para deixar a Terra para trás e fundar Tesla City, em Marte, conduzidos pelos sonhos de grandeza de um bilionário chamado Muskovitch. Qualquer semelhança com fatos e pessoas reais é apenas coincidência.
Nesse futuro, os que tem sorte trabalham como entregadores da Orinoco (uma gigante do varejo com nome inspirado em um rio sul-americano, sem nenhum vínculo com o mundo real). Esses trabalhadores ameaçam greve por melhores condições de vida, enquanto pensam no amanhã. Na contramão desse sistema, estão vindo os Insurgentes, rebeldes armados com AK-47, calça camuflada e pensamento de guerrilha, que pensam em derrubar tudo que existe, mas não sabem o que colocar no lugar.
É com esse senso de humor descoladinho que Highwater nos apresenta Nikos, um jovem que representa o povão. Sua patota é gente como a gente, que está na luta do dia a dia tentando descolar uns trocados, tentando ser feliz e se ajudando uns aos outros. Nikos tem um objetivo em mente: entrar ilegalmente em Alphaville e, quem sabe, pegar carona naquele foguete, se o projeto existir. Nikos acaba então passando por um odisseia (não por acaso seu barco se chama Argo), encontrando e fazendo amigos ao longo do caminho, de ilha em ilha, de resto em resto do que sobrou da sociedade pós-industrial.
Tudo isso é embalado pela presença constante de uma rádio local que traz informações básicas para as pessoas comuns e é a desculpa perfeita para oferecer um pouco mais de contexto nesse universo, mas, principalmente para servir uma trilha sonora agridoce de diferentes sonoridades alternativas.
Nesse sentido, Highwater é quase uma balada hipster, com dois números musicais inteiros encaixados dentro da narrativa. Essas pessoas estão na beira do precipício, seu mundo caminha para a extinção, mas sempre há tempo para uma última dança, uma última festa e a importante presença dos amigos. Em dado momento, “alphavilianos”, Insurgentes e trabalhadores comuns se juntam no mesmo bar e avaliam que o futuro está deixando de existir. Há algo de Umurangi Generation aqui, seja no estilo gráfico, seja na mecânica de fotografia (que é apenas um adendo aqui), seja nessa coragem de encarar o fim olho no olho e rir na cara do destino.
Highwater Não é XCOM
Ainda que o jogo seja centrado na narrativa e no amplo leque de seus personagens multiculturais, mecanicamente Highwater tenta ser um jogo de estratégia por turno. É uma decisão estranha, porém, tudo no jogo passa uma sensação de fora do lugar, logo, por quê não?
Com Nikos e seus amigos, atravessamos grandes distâncias inundadas, até encontrar uma nova ilha de interesse, que pode ter um simples colecionável, um recurso importante para a equipe ou então uma batalha. Com tantas forças antagônicas no universo, as batalhas são inevitáveis. Pensar nos movimentos e habilidades do seu time é importante, assim como avaliar os oponentes e suas características.
Felizmente, ou infelizmente, Highwater não é complexo na hora da onça beber água. Se alguma luta parece mais difícil do que a média é apenas porque o jogador não percebeu um detalhe do ambiente que desequilibra tudo em seu favor. Uma personagem, por exemplo, pode ser turbinada ao ponto de solar a maior parte dos confrontos, sem nunca encerrar seu próprio turno. E existe uma conquista por descobrir isso.
Enquanto as ilhas e as paisagens em si acabam se repetindo depois de um tempo, os combates continuam sendo bem variados, adicionando novos e inesperados aliados a todo momento, assim como inimigos que beiram o bizarro (plantas carnívoras?). Para quem deseja um pouco mais de substância tática, Highwater pode decepcionar. Para quem só gostaria de passar batido, conversando com os habitantes desse apocalipse, o excesso de pausas para combate também pode decepcionar.
Infelizmente, em dois momentos, a luta não ativou. Os personagens do meu time e os inimigos ficaram parados na tela, sem nada acontecer. É uma leve irritação, porque basta fechar o jogo, abrir de novo e tudo se resolve. Highwater é muito generoso com os pontos de salvamento automáticos.
Ela Gostava do Bandeira e do Bauhaus, Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
Há algo de Wes Anderson nas figuras que passam pela vida do protagonista. Uma mistura de pessoas estranhas com histórias melancólicas, que acabam apresentando uma palpabilidade maior do que a média nos jogos eletrônicos. Há uma certa latinidade (existe uma música em espanhol no jogo). Há algo de Casamento Grego. Há referências ao poeta Rimbaud, ao filósofo Francis Fukuyama, a Charles Chaplin. Highwater preenche quase todos os bullet points do típico filme de arte que passaria em um festival de cinema patrocinado por um banco, se é que vocês me entendem.
O final dessa jornada não é o tradicional final feliz. Decisões foram tomadas, decisões que dão o que pensar. É uma pena que a Demagog Studio não tenha deixado totalmente em aberto o que acontece depois. Uma vez concluído o jogo, são desbloqueadas duas aventuras adicionais. Uma delas é quase um interlúdio, jogando um pouco mais de luz em determinado momento do que já aconteceu, porém contém relances do que vem depois. É morno. A segunda aventura repete o mesmo erro de revelar demais daquilo que podia ser deixado para a imaginação. As duas aventuras extras não trazem nenhuma novidade mecânica e, em termos de mapas, são apenas sucessões de corredores insossos, que você pode completar no automático em vinte e poucos minutos.
Highwater cativa pela simpatia de seus participantes e seu humor peculiar. Ainda assim, escorrega em alguns pontos, traz uma mecânica de combate qualquer coisa e não sabe a hora de parar de contar sua história. Haverá aqueles que amarão o jogo, haverá aqueles que sentirão que perderam seu tempo.
26 de março de 2024
(não) Jogando: Level Zero: Extraction (Closed Beta)
(publicado originalmente no Gamerview)
O medo do escuro é uma das fobias mais ancestrais da espécie humana e não estaríamos aqui se não tivéssemos aprendido a temer os predadores ocultos nas sombras e, principalmente, aprendido a dominar a luz, através do fogo. Então, qualquer jogo que coloque o participante em um ambiente tomado pela escuridão com um inimigo à espreita é garantia de arrepios. Com Level Zero: Extraction, não é diferente.
Entretanto, em seu primeiro trailer, de novembro de 2022, o título da Doghowl Games prometia uma jogabilidade mais compassada, mais tensa e mais complexa do que aquilo que foi entregue durante o beta fechado. Errado sou eu de esperar demais de cinemáticas roteirizadas, porém o que experimentei durante três dias esteve bem longe de ser interessante.
Era Uma vez Dead Space
A trama é apresentada rapidamente em uma cutscene inicial e é o que menos importa. Algo sobre cientistas descobrindo uma bizarra forma de vida em um planeta distante. Infelizmente, em vez de permitir que nós exploremos esse ambiente alienígena, Level Zero: Extraction opta por trazer a ação para um laboratório na Antártida. Espécimes dessas criaturas foram trazidas para a Terra, para as instalações mais genéricas já vistas em um jogo de ficção científica. Obviamente, tudo deu errado e agora somos uma equipe de mercenários enviada para a base para recuperar informações.
E a história é o que menos importa mesmo. Tão logo nos materializamos no ambiente, é explorar e tentar se manter vivo, na esperança de conseguir extrair. Que fique registrado que eu nunca consegui extrair. Level Zero: Extraction é um PvPvE, em que um grupo de jogadores controla mercenários, que não tem a menor obrigação de serem aliados, e outro grupo de jogadores controla duas criaturas alienígenas soltas nas instalações. Para azar dos humanos, todas as defesas da base foram acionadas e é mais provável você ser metralhado por um robô ou pisar em uma mina do que ser encontrado por um monstro. A sorte maior, na verdade, é encontrar um monstro, pois esses são bem mais fáceis de lidar do que todas as ameaças, incluindo outros humanos.
Nos primeiros dias do teste, o alienígena era extremamente perigoso e resistente. A fila para encontrar uma partida para jogar de monstro podia chegar a 8 minutos, enquanto a fila para ser bucha de canhão (vulgo humano) se resolvia em menos de um minuto. O alienígena é imune a todas as armadilhas da base, o que é, por si só, uma vantagem avassaladora. E ele ressuscita, se morto, ao contrário dos jogadores humanos, cuja morte significa fim da sessão. Além disso, jogar como monstro garante dinheiro que pode ser usado para comprar equipamentos, na hora de jogar como humano.
Entretanto, a Doghowl Games nerfou o monstro deixando ele mais suscetível a dano comum e dificultando o uso de habilidades especiais. A mudança foi sentida pela comunidade e menos pessoas passaram a querer jogar como alienígena.
A Luz que Ofusca Level Zero: Extraction
O único diferencial do jogo está em suas mecânicas de iluminação. O monstro enxerga na escuridão, mas é extremamente vulnerável a fontes de luz, como um vampiro ao Sol. Para evitar a morte certa, a criatura pode ficar parcialmente invisível durante um tempo ou se esgueirar por dutos de ar. Para o jogador humano, a chave da vitória contra o monstro é se manter em ambientes iluminados e ter suas próprias fontes de luz, como sinalizadores e até armas de raios ultravioleta. Quedas no gerador da base, que apagam as luzes internas, contribuem para criar um leve clima de tensão. Porém, um disparo de ultravioleta na cara de qualquer monstro é letal, o que ajuda a relaxar os nervos.
A ausência de um hub, de personagens ou mesmo de missões, tornam nossa motivação bastante rasteira. Imagino que esse quesito pode ser aprofundado no futuro, uma vez que se trata de um beta. Porém, The Cycle abriu com mais recheio do que Level Zero: Extraction e Lethal Company, com orçamento muito menor do que esse aqui, é um fenômeno de sustos (e, consequentemente, de vendas).
Outro grave defeito é o próprio mapa. Ele é dividido em três setores extremamente similares, com pouca interatividade, além do interruptor de luz. Como o mapa é grande e o número de jogadores é bem pequeno, vira um jogo de gato e rato, em que sua sobrevivência é mais garantida pelo acaso do que pela sagacidade.
A impressão que fica é que Level Zero: Extraction poderia ser um jogo de survival horror extremamente tenso, mas recuou de suas ambições. No final das contas, as torres, as minas e os outros jogadores com instinto assassino eram mais assustadores do que a criatura que deveria ser central para a atmosfera. No final das contas, ficar no escuro ou não termina com pouco efeito, além do psicológico.
21 de março de 2024
Jogando: Outcast - A New Beginning
(publicado originalmente no Gamerview)
Minha história com a franquia Outcast se confunde com minha própria história como "gamer", essa entidade abstrata que busca aventuras virtuais. Excetuando um curto período da infância, em que me divertia com meu Dynavision (clone do Atari, para quem não viveu isso), minha trajetória começou mesmo em 1998, com meu primeiro PC. Em 1999, estava testando a demo do primeiro Outcast. Dali para frente, foram duas décadas tentando decifrar aquele jogo.
A história da obra prima da Appeal está muito bem documentada. É a história de um jogo ambicioso prejudicado por bugs. Foi lançado com problemas. Em 2010, ressurgiu com várias correções, mas ainda problemático. Ganhou uma versão HD em 2014, ainda com problemas. Ganhou um remake em 2017, com novos problemas. Tentei todos. Minha relação com o mundo de Adelpha beirava a obsessão. De frustração em frustração, terminei a aventura original de Cutter Slade somente em 2021. Foi uma vitória e uma jornada inesquecível.
Retorno para o ponto de partida com Outcast – A New Beginning, um quarto de século depois. Os desenvolvedores originais amadureceram, o jogo amadureceu, seu universo amadureceu e eu também. Entretanto, tão logo subiu a música tema, eu sabia que tinha voltado para um lugar muito querido. Desta vez, sem problemas técnicos que possam ser considerados graves.
Atrasado no Rolê
Se meu preâmbulo foi longo, foi tão somente para deixar claro que minha análise será tudo, menos objetiva. Eu conheço esse povo, eu conheço essas lendas, eu conheço essas mecânicas e amo todos. Encarnar novamente o Ulukai, o grande salvador de Adelpha, não é uma obrigação, mas um prazer. Parece que foi ontem que disse "adeus", achando que nunca ia mais ia voltar.
O que pode gerar o questionamento: Outcast – A New Beginning é amigável para quem nunca jogou o título anterior? Eu diria que não poderia ser mais amigável. O primeiro fator é que os veteranos da Appeal fizeram jus ao seu nome e "apelaram" para um recurso narrativo muito manjado: o protagonista perdeu suas memórias. Cutter Slade não lembra de praticamente nada de sua primeira jornada e nem dos motivos que o fizeram se materializar novamente nessa outra dimensão. Então, o jogador terá a oportunidade de entender com ele como funciona a sociedade dos Talans, seus costumes, sua mitologia e até seu vocabulário.
Desta forma, o glossário, que antes ficava escondido na interface original, agora está a um botão em qualquer diálogo. Tudo é muito bem mastigadinho para os iniciantes ou para aqueles veteranos que desfrutaram de tudo muitos anos atrás. Entretanto, esses últimos serão beneficiados com alguns easter eggs de aquecer o coração (visite o Museu do Ulukai, em Prokriana para uma farta dose de nostalgia).
O mundo de Adelpha desta vez está sendo invadido por uma força tecnologicamente muito superior: a raça humana. Slade terá que se voltar contra seu próprio povo e destruir máquinas assassinas para libertar os Talans do colonialismo. Ao mesmo tempo, será necessário decifrar as lacunas de memória em sua mente e descobrir os erros que ele cometeu entre um jogo e outro, assim como os motivos que o trouxeram de volta para Adelpha. Nesse ponto, Outcast – A New Beginning traz uma história mais emocional e intimista que o jogo original, porém sem perder o foco de suas maiores forças: exploração e senso de encantamento.
O Mundão de Outcast
Vinte e cinco anos depois, é fácil tentar enquadrar Outcast – A New Beginning como um simulacro de Assassin’s Creed ou Far Cry. Há um mapa de mundo aberto, há missões marcadas nele, há bases inimigas para serem tomadas. Também é possível estabelecer paralelos com os últimos Zelda, com templos para serem descobertos, desafios de plataforma para serem vencidos em troca de novas habilidades. Entretanto, justiça seja feita: é importante ressaltar que tudo isso já estava lá em 1999. O novo Outcast moderniza o que antes foi pioneirismo da Appeal.
Enquanto isso, a desenvolvedora volta a apresenta paisagens deslumbrantes de cair o queixo, conseguindo entregar o que antes foi impossível: Adelpha agora pode ser explorada de forma contínua. Antigamente, apenas portais de teleporte ligavam as regiões. Na sequência, é possível cruzar o continente a pé, com raras exceções.
Outcast – A New Beginning infelizmente não é tão vasto quanto seus concorrentes atuais, mas a Appeal compensa isso com um senso de mobilidade único e verticalidade. A nova mochila a jato é muito mais presente do que antes, permitindo saltos monumentais, planagens de tirar o fôlego ou pura e simplesmente locomoção horizontal sem colocar os pés no chão. É raro um jogo em que o próprio processo de ir de um lugar para o outro seja tão agradável.
Da mesma forma, Adelpha acaba se tornando mais denso que muitos open world por aí, com personagens exóticos por toda parte e missões inusitadas dentro da campanha principal. É uma pena que as missões secundárias sejam repetitivas, mas ninguém é obrigado a fazê-las. Ainda assim, esse mundo pulsa com dramas e situações que alteram a paisagem das vilas e seus arredores. É possível passar uma ou duas horas sem perceber o tempo voando, uma viagem surreal para outra cultura.
Facilitou Demais?
Não seria um jogo da franquia Outcast se fosse totalmente isento de problemas de natureza técnica. E que jogo é, hoje em dia? Porém, as falhas são pequenas no título. A performance pode e será melhorada no lançamento, mas, jogando aqui com DLSS no balanceado, a queda de quadros foi ínfima. Para minha surpresa, não houve qualquer travamento ou comportamento bizarro de NPCs (como acontecia no remake do original). O bug mais estranho foram dois inimigos, em ocasiões distintas, que estavam dentro da terra, só o topo da cabeça pra fora (o que, na verdade, favoreceu o headshot).
A grande falha que afasta Outcast – A New Beginning da nota máxima, pelo menos, na minha opinião de "veterano" da franquia, é a simplicidade dos desafios. Longas foram as horas em que rodei pelo título anterior apenas tentando descobrir o que precisava ser feito para avançar a história. Aqui, cada missão é dividida em partes bem documentadas e há sinalizadores indicando as direções.
Ainda é necessária uma boa dose de interação com os Talans, para resolver seus problemas, mas é tudo muito conduzido, talvez conduzido demais. Os próprios puzzles são mais simples e os combates seguem a linha do Remake, com pouca dificuldade. Ulukai podia liberar Adelpha (de novo) na base da bala, se o roteiro permitisse.
Porém, essa "desvantagem" pode ser o segundo grande chamariz para uma nova geração de jogadores. Todas as arestas do jogo original foram aparadas, todas as mecânicas estranhas foram simplificadas, todo o processo de adivinhação e até as constantes idas e vindas foram removidos. Sem esse atrito, Outcast – A New Beginning convida para um passeio por Adelpha, uma viagem inesquecível (e tranquila?) para quem tem sangue novo ou para os andarilhos de pés cansados.
17 de março de 2024
Eu Li: Clementine - Book Two
É possível corrigir o curso no meio da viagem? A cartunista e ilustradora Tillie Walden aparentemente sabe como. Não escondi de ninguém minha decepção com o primeiro capítulo dessa trilogia, em parte por não enxergar a necessidade de dar continuidade para a jornada de Clementine, tão brilhantemente finalizada em The Walking Dead: The Final Season. Porém, a outra parte de minha reclamação estava no ritmo que a autora colocava na narrativa, na sua clara inabilidade de compreender o universo ficcional da franquia, por mais que ela fosse capacitada em compreender a natureza humana e suas introspecções.
Pelo que pude apurar, não estava sozinho em minhas opiniões. Walden recebeu pesadas críticas, muitas dessas mais pesadas do que realmente podiam ser e motivadas por preconceitos diversos. Para surpresa de ninguém, a insatisfação se inflama na internet e se transforma em perseguição rancorosa. Porém, que sina poderia ter essa trilogia senão provocar desafetos? Estávamos saindo de uma mídia em que o consumidor tem pleno controle do rumo da narrativa, com infinitas Clementines customizadas ao gosto de cada jogador, e entrando em território em que uma única autora define o futuro da personagem que todos aprenderam a amar. Não tinha como Tillie Walden não criar mágoas.
Dito isso, é evidente que alguma parte das críticas realmente afetou a autora. É sensível a melhora no segundo capítulo de sua trama, ainda que boa parte do público provavelmente não irá dar uma segunda chance para o projeto. Ou teria eu superado o impacto inicial e aceitado que Clementine agora tem uma nova tutora, cuidando de seu crescimento?
Clementine - Book Two nos apresenta a protagonista e suas amigas diante de um novo desafio e um novo cenário: se adaptar a uma comunidade de sobreviventes em uma ilha no meio do oceano. Os conflitos internos entre elas, tão marcantes no primeiro livro, foram amenizados. Esse segundo capítulo é mais focado nos problemas externos desta vez, ainda que o emocional siga marcando sua presença. Em outras palavras, há mais mistério, mais tragédia e mais ação do que no livro anterior, com uma gama maior de coadjuvantes em embates.
Por outro lado, a trama acaba caindo na fórmula apresentada em literalmente todos os jogos da franquia: protagonistas encontram um novo lugar para chamar de lar, vivem felizes por um curto espaço de tempo, descobrem que o paraíso tem seus assuntos mal resolvidos, o caos se instala, pessoas morrem.
Tillie Walden foi inteligente em seguir o grande esquema ou simplesmente se rendeu ao lugar comum? Felizmente, esse clichê é bem entregue. O momento em que você descobre que vai dar ruim (de novo) é assustador.
Walden deixa sua marca mesmo é nas relações humanas. Há diversos momentos de profunda sensibilidade na obra, mais marcantes do que a própria catástrofe. Se faz necessário construir personagens significativos para que suas mortes causem impacto e a autora entrega. Da mesma forma, Clementine aceita que a felicidade entre em seu coração e entende que esperar que o mundo fique seguro para amar é uma estratégia condenada ao fracasso. Se joga e vai, que é melhor. Não existe momento ideal para buscar o que se deseja. Da minha parte, se Clementine está feliz, eu estou feliz.
Pela segunda vez, Walden envereda por um epílogo excessivamente longo após a narrativa atingir seu clímax óbvio. Porém, acerta ao consumar uma cena poética com Clementine.
Não imaginava escrever essas linhas, dois anos atrás, mas estou ansioso agora para ver como irá se concluir essa nova odisseia de minha menina.
15 de março de 2024
Dicas para Starsand ou Como Amar Seu Camelo
Nem me recordo qual foi a última vez que publiquei dicas para algum jogo e não sei explicar o que me levou a me desenterrar da areia e fazer isso especificamente para Starsand, um titulo com apelo para uma fração minúscula de uma audiência igualmente pequena. Entretanto... vamos supor que o Google pode funcionar como uma bússola para os desamparados desse deserto.
O Melhor Amigo do Homem no Deserto
A chave para sobreviver em Starsand é conquistar o mapa, conhecê-lo como a palma da mão e calcular corretamente os recursos necessários entre cada viagem. O jogo fica imensamente mais fácil tão logo você dome um camelo. O animal oferece mobilidade muito mais rápida do que sua pernas, com muito menos cansaço. Para domar um camelo, tudo que você precisa é oferecer duas frutas para o animal. Será possível então nomeá-lo e manter a posse.
Infelizmente, o camelo é mais uma boca para se alimentar e ele só se alimenta de frutas (é um herbívoro, lembra?). Porém, com a mobilidade conquistada, será bastante fácil se locomover entre os diferentes oásis e coletar um bom estoque de frutas para manter vocês dois saciados. Um camelo faminto não apenas deixa de ser seu, como ele simplesmente desaparece, com todas as melhorias que você implementou nele (bolsas, sela e tendinha contra o Sol). Então, mantenha seu camelo alimentado.
É possível ter mais de um camelo ao mesmo tempo. Você irá montar em um deles e dar ordem para os outros te seguirem. É tentador ter uma caravana carregando seus muitos pertences, porém não recomendo. O único camelo confiável é aquele em que você está montado. Mandar seguir nem sempre funciona. Camelos perdidos desaparecem nas dunas.
Starsand, em seu terço final, vai separar você de seu camelo por um período de tempo que pode se estender por muitos dias. É possível deixar um estoque de frutas em um comedouro, mas é melhor se preparar para perder o animal e tudo que ele estiver carregando.
Dicas Avulsas
Fornalhas e fogueiras são lentas, estupidamente lentas. E elas geram um calor desconfortável. Minha recomendação é deixar para usar as duas estruturas na noite gélida do deserto, enquanto você derruba árvores próximas. É melhor do que simplesmente dormir.
Otimizar a noite é uma vantagem: os monstros aparecem e reaparecem depois de X dias, então faça essas 24 horas renderem.
Por razões óbvias, não derrube árvores frutíferas. Se você tem um bom estoque de odres de água (recomendo pelo menos 2), pode dispensar os cocos e derrubar os coqueiros. O mesmo vale para as tamareiras. Palmeiras são liberadas para derrubar.
Easter-egg da equipe de desenvolvimento
Uma vez que o espaço de inventário é limitado, carregue sempre toras e folhagens. Se houver necessidade, largue uma tora no chão e converta em galhos. Se houver necessidade, largue folhagens, converta em fibras, que serão convertidas em cordas.
Construir uma casa não é obrigatório de forma alguma. Estabelecer uma rede de cabanas em oásis e ruínas é uma mão na roda para poder salvar quando quiser.
Colecionar besouros é completamente opcional e não contribui em nada para vencer o jogo. Sim, é possível vencer Starsand.
Todas as armadilhas são opcionais. As lacraias gigantes se escondem na terra, mas não surgem em pedras ou na água. Use esses terrenos para fugir, ganhar fôlego e atacar de longe, sempre de longe. Lanças são melhores que flechas, tenha pelo menos cinco delas. De ferro, de preferência.
Existe um bug conhecido no jogo, quando um vasilhame de água se esvazia, ele pode nunca mais ser enchido. Não é a regra, mas eu vi acontecer. Se acontecer com você, carregue o último jogo salvo, porque não tem volta.
Existe uma wiki. Está bastante incompleta, mas pode ajudar.
Existem mods. Não testei nenhum, mas é importante saber que é possível modificar aspectos do jogo.
Não tenha vergonha de escolher o uso da bússola ao começar um novo jogo. Caso contrário, a única forma de se orientar será posicionando ponteiros físicos no mundo e esses ponteiros são sempre destruídos na primeira tempestade de areia (se ficar perdidaço, consulte o mapa completo).
Reta Final
Tudo que você planejou anteriormente é inútil na reta final. Se você construiu uma base, você vai passar um período muito longo longe dela. Se você estocou itens, você vai passar sem eles. Se você tinha um camelo, ele provavelmente vai se cansar de esperar sua volta.
Itens essenciais para levar na mochila na reta final: pólvora, água, comida e broto de folha (aquela erva de formato "jamaicano" que tem no jogo). Transporte o máximo que conseguir tão logo você tenha que fazer um pulo gigante (você vai entender o momento, mas não estou falando do pulo no escuro dentro da pirâmide). Não está preparado ainda? Não pule. Volte. Estoque esses itens em sua mochila e avance.
Nas cavernas, cuidado onde pisa...
Não é necessário destruir os ovos. Na verdade, é tentar o suicídio, mas vai em frente se quiser desbloquear uma Conquista.
Depois que você vencer o chefe final, tome muito cuidado no retorno. Em um certo corredor, pode estar acumulada uma quantidade surreal de monstros. Salve antes, salve sempre, vá devagar, recue se necessário.
13 de março de 2024
Jogando: Nightingale (Primeiras Impressões)
(publicado originalmente no Gamerview)
O mercado dos jogos eletrônicos é bastante competitivo. Dados do SteamDB apontam que mais de 14 mil títulos foram lançados no Steam, em 2023. Desse total, 1256 foram jogos de sobrevivência. É matar ou morrer, é uma briga de foice em que as desenvolvedoras tem poucas chances de se destacar na multidão. E, se você está achando que já leu essa abertura em algum lugar, é porque eu estou repetindo parte do parágrafo inicial de minha prévia de Serum.
Não vou pedir desculpas pelo truque, porque ele é fundamental para apontar qual é a grande diferença de Nightingale (esse jogo tão difícil de soletrar…). O fato é que o título desenvolvido pela Inflexion Games é uma explosão de criatividade. Se todos os títulos de sobrevivência são extremamente parecidos em suas mecânicas, é o contexto que os separa e Nightingale tem a audácia de misturar estética steampunk com cenários alienígenas e elementos folclóricos dos povos saxônicos. Parabéns a todos os envolvidos, esse era um jogo que eu já queria explorar desde sua concepção e cuja entrega não me decepcionou.
Shakespeare Ficaria Orgulhoso
Em Nightingale, somos um "dimensioneiro", um viajante entre diferentes realidades tentando retornar ao que sobrou da Terra. Em algum ponto da Era Vitoriana, a raça humana descobriu os portais, descobriu os povos das fadas e saiu por aí em uma tentativa óbvia de colonizar novos mundos. Infelizmente, esbarramos na Névoa, uma força sombria que tudo consome. A civilização foi dispersa e reza a lenda que Nightingale é o nome do último refúgio, a última cidade humana. É para lá que o jogador deve ir, saltando entre múltiplas dimensões, sendo guiado por uma figura enigmática batizada de Puck, o mesmo nome do elfo brincalhão do clássico "Sonho de uma Noite de Verão", de William Shakespeare.
Não estamos falando aqui dos elfos "tolkienianos", de orelhas pontudas, mestres no arco, elegantes e nobres. O jogo revisita os mitos que serviram de inspiração para Tolkien, em sua forma original, com uma pitada de teatralidade. O povo das fadas, o povo faérico, tem uma relação ancestral com o Homem e ruínas de sua glória emergem por toda parte, repletas de deslumbramento e perguntas. Fazer acordos com os faéricos sempre traz um risco, mas há perigos maiores entre as dimensões.
A Inflexion Games cria um contexto complexo, repleto de enigmas, mas também repleto de histórias paralelas e explicações em um códex que ajudam a entender a vastidão que se apresenta. Nightingale não é apenas um jogo vasto em termos de espaço físico, mas também um jogo vasto em termos de imaginação, e não seria incorreto afirmar que seus desenvolvedores criaram não um mundo, mas um universo inteiro de mundos.
Mochilando em Nightingale
Para tentar compreender como as viagens funcionam, o melhor paralelo acaba sendo No Man's Sky. Nightingale tem infinitas dimensões, geradas proceduralmente. Cada uma delas é uma ilha de proporções gigantescas, com diferentes biomas que você pode escolher ao configurar o portal de transição. É como viajar entre planetas, extrair seus recursos, construir estruturas e deixar para trás uma rede de caminhos (felizmente, viagem rápida entre seus refúgios é uma opção para o jogador).
Meu senso de exploração passou por uma overdose sensorial com a quantidade de segredos para decifrar em um único mundo. A possibilidade de que eles sejam infinitos é quase aterradora. Vencer os variados desafios de ruínas desbloqueia novas receitas de equipamentos ou itens de construção, o que adiciona um elemento de prêmio aleatório à experiência.
A necessidade de avançar na campanha para escrever a prévia me impediu de fazer uma varredura total na região. São naufrágios, prédios incompreensíveis, ossadas de criaturas colossais, masmorras… até mesmo pequenos elementos adicionam mistério ao jogo, sejam estátuas que choram ou uma entidade fantasmagórica da altura de um prédio de dois andares passando pela mata.
O combate em Nightingale é suave e fácil de dominar, mesmo no começo, quando suas armas são feitas de pedra. Dominar a esquiva e o ataque à distância solucionaram todos os conflitos para mim. É evidente que o jogo não quer ser desafiador nesse sentido, porém, tampouco me senti passeando pelo cenário. Vislumbrei uma boa variedade de criaturas, hostis ou não, assim como uma boa variedade de inimigos macabros.
É nas mecânicas de sobrevivência e fabricação de itens que o jogo acaba derrapando com um pouco mais de força. O fluxo de itens em Nightingale é longo e complicado: fabrique o recurso X na bancada 1, leve o recurso X para a bancada 2 para produzir o item Y, para completar o trabalho na bancada 3. Há um excesso de bancadas e receitas, até mais do que encontrei em Conan Exiles, que já parecia cansativo de vez em quando. Além disso, o menor traço de fome já reduz a vida máxima do personagem, que precisa comer de dez em dez minutos. Da mesma forma, o menor traço de cansaço já reduz a estamina máxima, o que pode ser letal em combates.
Colírio Para Minhas Retinas
Visualmente, Nightingale é quase impecável. Seu único pecado seria o fato de ser exigente em termos de recursos da máquina. A otimização poderia ser muito melhor e me vi obrigado a reduzir diversos parâmetros para evitar engasgos. Ainda assim, no modo Balanceado do DLSS, o jogo é belo, dolorosamente belo, como não via em um jogo de sobrevivência havia muito tempo. A trilha sonora sutil, mas marcante, completa a experiência de imersão.
Evidentemente, há muita coisa técnica para ser melhorada no jogo. Ele está merecidamente em Acesso Antecipado, não se trata de uma obra acabada. Um bug me obrigou a literalmente recomeçar o tutorial com outro personagem. Outro bug removia os ícones dos itens em minha barra de acesso rápido. Não sei se compreendi erroneamente a função de minha Recruta ou se ela simplesmente sumia com os itens que eu dava para ela carregar. Passei por um travamento feio que forçou o reboot do PC.
Porém, em sua proposta, Nightingale é um sonho que se torna realidade: um convite para regiões mágicas infinitas, com um Norte possível, com estilo único e a promessa de aventuras inimagináveis.